⚠️ ATENÇÃO: O texto a seguir pode conter spoiler sobre o livro.
Pense num livro que começou prometendo muito e, a meu ver, não entregou nada no final.
Nem gostei, nem desgostei.
Só fiquei com a sensação de que faltou algo no final, sabe?
Ah! E passei raiva durante a leitura em vários momentos... kkkkkkkkkkk
A Casa Verde é um romance de autoria do casal Júlia e Filinto de Almeida, que foi publicado entre os anos de 1898 e 1899, sob a forma de folhetim no Jornal do Commercio sob pseudônimo. Mas, só em 1932, ele foi lançado oficialmente sob o nome completo do casal. Agora ele se encontra disponível sob o selo da Janela Amarela Editora.
A história se passa na cidade de Niterói, no final do século XIX, e acompanha a chegada de Mary, única filha de um rico empresário e dono de fábricas inglês. A pedido do pai, Mr. Lane, ela sai da casa dos avós e viaja de barco da Bahia para o Rio de Janeiro, acompanhada por sua preceptora, Madame Girard, e sua "empregada", Rita. Todos passam a morar na Casa Verde, uma residência abandonada que é tida como assombrada e amaldiçoada pelo moradores locais, e que já foi palco de várias tragédias.
Mr. Lane se encanta com a casa e o espaço dos jardins, principalmente por causa de uma figueira, uma antiga árvore que se eleva frondosa e imponente próxima à casa (esta árvore vem a ser o destaque da capa do livro na publicação de 1932), e a reforma esperando a chegada da filha.
Mary, assim como o pai, se apaixona pelo local, mas, num fatídico dia, acaba atingindo um rapaz, que estava escondido em um dos galhos da árvore para vigiar a casa, com um tiro e se vê envolvida num plano meio sem sentido de esconder esse crime, enquanto cuida do ferido com a ajuda de Girard e Rita. É nesse momento que ela conhece o jovem e popular médico da região, Doutor Eduardo Abrantes.
No vai e vem da trama, Mary e Eduardo acabam se apaixonando, mas encontram problemas no caminho. E o principal deles é Guilherme Boston, trambiqueiro e sem escrúpulos, que deseja a filha do patrão e ser o herdeiro final de tanta riqueza. Bom de lábia e muito sagaz para arquitetar planos de conquistar inúmeras riquezas, ele quase consegue o que quer, mas acaba sendo impedido por Laurinda, sua ex-companheira que conta toda verdade sobre ele e seus atos à família Lane.
O livro prometeu suspense e mistérios, começando pela ideia de que seriam os acontecimentos sobrenaturais que guiariam a história da protagonista, enquanto ela tentava se equilibrar entre a culpa por ter ferido uma pessoa e a necessidade de manter tudo escondido para preservar sua reputação, mas essas questões se perderam no decorrer da narrativa para dar lugar a uma quase transformação dela em um vilã, capaz de cogitar matar alguém por ciúmes, mesmo que não fosse claro que o amor fosse real ou correspondido pela outra parte.
Uma personagem construída para ser de carater forte, sensível, porém mais fria e racional, com conhecimentos e aptidões, físicas e intelectuais, que para a época só eram considerados válidos se fossem vistos em um homem, se transforma em uma pessoa fraca, temperamental, mesquinha e ciumenta, além de sem sentido, atráves de comparações ao londo do texto que eram do tipo "ah, ela é assim porque tem sangue da mãe, que é brasileira".
Confesso que o casal principal me irritou bastante, principalmente o Eduardo, quando ocorreram momentos durante da leitura em que se tem acesso aos pensamentos dele. Sei que ao se ler um livro, principalmente um do século XIX, é preciso ter noção de que a forma de pensar expressa ali é diferente da atual, e muito diferente da minha.
Mas, o mais bizarro para mim, foi perceber que no fundo nem é tão diferente do que os homens pensam hoje em dia, tudo fruto de como o machismo está arraigado no cerne da sociedade. Não critico o fato dele se apaixonar a primeira vista, encantado com sua beleza e seu porte, nem por ele sonhar em como seria estar com ela. E, sim, a forma como se faz isso na história, como se a culpa por seu desejo ou se, por acaso, ele cometer um "ato de loucura", não fosse dele que é sem noção, mas dela por tentá-lo.
Oh, pobre e inocente rapaz que só está pensando em praticamente violar alguém e, no fim, a culpa é da vítima. Sinceramente, me pergunto como é que pode algo do tipo ainda hoje ser naturalizado como romântico.
Outro ponto de choque e motivo de indignação para mim durante a leitura, foi a apresentação de Rita, mulher preta, ex-escrava ao que tudo indica, ser apresentada como um objeto proveniente de uma herança. A desumanização e objetificação contida no trecho que em que descrevem a personagem é tão absurda que demorei a absorver.
E nem falo de choque por causa de todo contexto das lutas antiracistas que seguem atuais, falo sobre o próprio tempo em que o texto foi escrito e publicado. Apenas dez anos após da Lei Áurea e da Proclamação da República, em um contexto socio-cultural e político onde vários autores, autoras e artistas já davam sinais em suas obras de uma luta contra o preconceito e contra a forma como a mulher era tratada e vista pela sociedade.
Se a fala tivesse um sentido crítico, questionador ou até mesmo contemplativo, penso que eu não teria ficado tão abalada quanto ao ver uma pessoa ser descrita da mesma forma que se Mary tivesse recebido, sei lá... uma caixa.
Enfim...
A trama envolvendo os personagens de Guilherme e Laurinda foi melhor explorada e construída do que a do casal principal, embora o desfecho de um dos dois tenha me decepcionado.
Laurinda foi uma pesonagem que ficou no meio do caminho entre ser parte de uma narrativa crítica e parte de um alerta moral. Jovem rica, filha de militar e bem criada, era alegre, gostava de festas e namoradeira (palavras dos autores, eu a vi como uma jovem inocente e que, assim como a maioria, pensava em encontrar um bom partido para casar), que acaba sendo apresentada a Guilherme por um amigo da família.
Ele faz de tudo para conquitar a moça e acaba a convencendo a fugir com ele para casar, só que no meio do caminho ele muda de ideia porque ela já não apresentava um desafio e só a usava para que ele tivesse acesso a cena social, onde se descobriu Mr. Lane e sua fortuna.
Desde então, enquanto Guilherme se envolvia com os ricos e planejava seu próximo golpe, ela foi explorada, deixada de lado e ignorada, até ele terminar tudo e a deixar na miséria. Sem dinheiro, sem casa, apoio e sem família para quem voltar, ela acaba pobre, faminta e doente. Ela tenta várias vezes falar com o ex-amante, mas ele só a envolve em mais desculpas e mentiras. Laurinda, guardando dentro de si um pouco de esperança, vai procurá-lo e acaba vendo ele cheio de amores e solicitude para com Mary.
Ver isso destrói o coração da coitada e, num acaso do destino, enquanto ela doente procura notícias de sua família, acaba reencontrando o médico que a apresentou a Guilherme e que nem sabia do que lhe tinha acontecido. É com o apoio dele que ela revela a verdade sobre o caráter dele para Mary e o pai.
Mr. Lane dá uma última chance a Guilherme, por ainda acreditar que ele só cometeu um erro de rapaz e que pode ser logo corrigido, e o obriga a voltar com Laurinda e se casar com ela, bem como pedir perdão aos pais da moça.
Pobre Laurinda.
Que fim triste, nas mãos de quem amou até o último segundo.
E, que triste saber, que em pleno século XXI, mulheres ainda sofrem nas mãos de homens iguais ao Guilherme e a sociedade pouco faz para que haja justiça. Ainda somos culpadas, loucas e vilãs, mesmo sendo as vítimas, cuja voz pode ser silenciada antes mesmo de conseguir dar o primeiro grito de socorro.
Quanto a Guilherme, após roubar o cofre da fábrica de Mr. Lane, no fim ele consegue se safar e fugir da cidade.
O caminho para o final, para mim, foi desenvolvido sem graça, um pouco apressado, e alguns personagens e suas histórias tão interessantes foram disperdiçados para fazer trampolim para o "amor verdadeiro e sublime" do casal principal. Que, individualmente, nem lutaram tanto por esse tal amor.
Principalmente a Tilde, uma jovem que era apaixonada por Eduardo e num ato de abnegação resolve lutar para que o amor dele por Mary possa se realizar e superar toda a trama de intrigas e mentiras, todas muito bem criadas e alimentadas por Guilherme. Então, vendo que seu primeiro amor não pode se concretizar, mas pelo menos encontrou felicidade, ela decide virar freira.
Fiquei com a sensação de que ela só queria manter a imagem sofrida, mas que é pura, e ser elogiada por isso. Além de ser uma espécie de fuga da realidade.
Três personagens chaaatoosss...
E um final previsível: casamento. Além da promessa de uma futura vida feliz do casal, abençoado por suas famílias.
Minhas divagações aqui não se propõem a ser uma resenha crítica literária, nada tão formal, pois não me vejo capacitada para tal. Mas, sim, compartilho meus pensamentos e inquietações que foram surgindo ao longo da minha leitura. Apesar de ler consciente de que devo manter a consciência do distanciamento entre a época do livro e a minha, foi impossível não me sentir abalada com tantas questões presentes na narrativa e que atravessam o tempo.
Foi uma boa e interessante leitura, contudo, não sei se enquadraria realmente no termo fantasia, mesmo que de forma mais abrangente. Acho mais que é um flerte que tinha potencial de dar certo, mas não foi foi até o final.
Deixo abaixo a imagem da capa e, se a história despertou seu interesse, ao clicar nela será redirecionado para a página da Amazon. O livro está incluindo no Kindle Unlimited.
Até a próxima leitura!
(^_^)