⚠️ O texto a seguir pode conter spoiler sobre o livro
"Era uma vez no outono" é o segundo livro da série de romance de época "As Quatro Estações do Amor", da autora Lisa Kleypas, publicado pela Editora Arqueiro.
E nele acompanhamos o desenrolar do romance entre Lillian, uma irreverente e teimosa jovem dama americana que viaja para Londres com sua família para navegar na nobre sociedade local em busca de casamento, e Marcus, Lorde Westcliff, um rico, arrogante, esnobe e teimoso lorde britânico, que deseja se casar uma nobre dama inglesa que corresponda a seu ideal perfeito de esposa.
Lillian conta com ajuda de sua irmã Daisy e das amigas Anabelle e Evangeline. Elas compartilharam o mesmo destino em muitos bailes que assistiram: o isolamento. Nunca chamadas para uma conversa ou para uma dança. Então, cansadas disso, há um ano elas formaram uma aliança, que culminou em uma forte amizade, onde cada uma delas seria apoiada pelas outras para encontrar o tão sonhado noivado e casamento.
O "problema" de Lillian para os nobres londrinos era que apesar de ser uma herdeira, com vasta fortuna, ela não era o "ideal" deles quanto o assunto era ter uma esposa. Sua independencia, inteligência, fala franca e pouca vontade de seguir as normas de etiqueta sem sentido praticadas pela alta sociedade de Londres, a tornavam uma pária.
Essas são as principais críticas feitas por Marcus, que não poupa a língua para atacar as quatro amigas, em especial Lillian. Para ele, apesar da riqueza e de ser atraente, ela nunca seria boa o bastante para ser esposa de um nobre inglês que tenha consciência do papel e do peso que seu título confere na sociedade. Ela é tudo o que ele diz desprezar, ainda mais quando descobre a aliança que as meninas fizeram para encontrar um marido.
O bom é que nem tudo sai como nenhum deles espera.
Sua história de amor acontece durante uma viagem que a família de Lillian faz para passar uma temporada de festas na propriedade de Lorde Westcliff. Apesar de, aparentemente, detestar a garota, por ser americana, indisciplinada e, segundo ele, mal-educada, Marcus deseja formar uma parceria de negócios com Sr. Bowmann.
O problema é que desde que se conheceram, ele e Lillian brigam como cão e gato toda vez que se encontram, independente do local ou se tem plateia, embora isso não pareça impedir a crescente atração que surge entre eles. Durante o decorrer da história, a autora nos mostra um pouco sobre o passado de Marcus e o quanto isso afeta nas suas relações com as pessoas ao seu redor, o que a meu ver não justifica alguns de seus comportamentos, posicionamentos e falas ao longo do livro.
Como diz St. Vincent, um de seus amigos, ele é um hipócrita, pois julga todos por uma elevada régua de moral e acaba se comportando ao contrário. Na maior parte das cenas entre Lillian e ele, apesar de a desejar, ele não a vê como uma dama digna de casamento para alguém como ele. De certa forma, me lembra de Darcy com Elizabeth, em Orgulho e Preconceito, com a diferença de que Lillian não é pobre.
Aos poucos, durante a leitura, fui percebendo que Marcus e Lillian são opostos, não tão opostos assim. A meu ver, eles compartilham vários traços de personalidade, bons e ruins, escondendo fragilidades sob uma fachada forte, teimosa e, no caso de Marcus, até mesmo cruel. Chega um momento em que não podem mais negar o quanto se atraem e sua paixão é tanto avassaladora quanto irresistível.
Embora, por um bom tempo, Lillian acredita que essa paixão desenfreada é alimentada pela existência de uma essência mágica no perfume misterioso e feito sob medida que recebe de um perfumista renomado, o que culmina em cenas tórridas e sensuais entre ela e Marcus.
Não vou contar muitos detalhes e cenas dos livros, só saibam que após uma reviravolta inesperda na trama eles conseguem viver seu intenso e bonito felizes para sempre, apesar do que outros possam acreditar e julgar naquela elitista sociedade londrina do século 19, os dois formam um par perfeito e equilibrado, que assim como Anabelle e Simon (Livro 1), não tem vergonha de mostrar publicamente seu amor.
Por trás de toda a "caça aos maridos", pude entender o desespero de mulheres que não viam saída em seu futuro a não ser o casamento ou se tornar amante, já que não lhes era permitido ser nada mais. Enquanto os homens sempre tiveram mais liberdade e poder, as mulheres eram relegadas a papéis específicos dentro das famílias e da sociedade, e que o Destino as livrasse do pior, que era ficar sem apoio de um pai ou parente masculino mais próximo que lhes fornecesse uma renda, nem que fosse mínima para sobreviver.
E é por isso o personagem de Marcus é o que menos "gosto", por assim dizer.
Mesmo que no fundo ele seja mais sensível e ache que a forma dele agir protege os que estão a sua volta, para quem viveu a situação familiar que ele tinha e via o que acontecia com suas irmãs, todos vítimas de abuso e/ou negligência por parte dos pais, bem como ciente do quanto era difícil a vida para uma mulher, acho que seu posicionamento crítico, desdenhoso e cruel para com Lillian e as amigas foi complicado de digerir e entender, mesmo que "justificasse" que era para esconder seu desejo por ela.
Creio que é porque ainda toca muito lá no fundo saber que esse comportamento, apesar de estar dentro de um romance de época, permanece até hoje permeando as nossas relações.
Lillian, apesar de ter em alguns momentos o comportamento infantil e teimoso, sempre lutou para se proteger e proteger a irmã, mantendo-se fiel a si mesma, a sua forma de pensar e buscando o respeito e a compreensão dos demais.
Fico imaginando o quanto de Lillians ainda existem por aí, após séculos e séculos, lutando para não se conformarem em um molde que seja confortável para os outros, enquanto são bombardeadas por críticas negativas vindas todos lados, seja na família, nas relações românticas ou na sociedade, negando a terem suas personalidades e individualidades apagadas só porque não se enquadram num "ideal" exigido.
Ao mesmo tempo, pensei: por quanto tempo se têm forças para continuar lutando quando a sobrevivência depende de abdicar de si mesma para se submeter à vontade de outros?
Enfim...
A escrita de Lisa é muito gostosa de ler, seus personagens são complexos e bem construídos, e para mim ela consegue dar a combinação perfeita entre intriga, diversão, cenas românticas e a tensão entre os casais.
Vale muito a pena ler!
E este é apenas mais um divaneio literário meu. ^^